Símio

Símio
Hélio Teixeira


Dá-me um cigarro, pediu Inês, tentando disfarçar a sua cólera. Paula instintivamente pegou no maço e ofereceu-o diligentemente a Inês. Esta olhou-a desconfiada e, como que tendo a razão do seu lado, esperou altivamente. Paula tirou um cigarro do maço e alcançou o isqueiro pousado na outra extremidade da mesa. Acendeu-o ela própria e após expirar, satisfeita, uma baforada de fumo para o ar, entregou-o com naturalidade. Agora era Inês que fumava, disfarçando o seu nervosismo com leves movimentos da mão que levava o cigarro à sua boca. Por dentro sentia que o mundo todo lhe caíra em cima, mas exteriormente aparentava uma calma celestial. Por momentos olhou Paula de soslaio, apreciou a sua beleza e invejou-a. Ia pedir-lhe desculpa no preciso momento em que o telemóvel tocou. Era o seu. Tocou apenas uma vez. Pegou no aparelho e viu um número desconhecido.
Tenho de telefonar ao meu namorado. Venho já.
Paula assentiu. Ela própria já acendera um Marlboro e se recostara no sofá.
Inês não voltou. Atravessou a rua e sentou-se nas escadas de um prédio. Telefonou ao namorado e esperou.
Paula viu-a a entrar no carro do namorado e fechou a janela. Adormeceu no sofá.
Às 7 da tarde acordou com o barulho proveniente do andar de cima. Ainda é cedo, pensou. E tentou adormecer de novo. Não conseguindo, pegou numa revista, mas não conseguia ler. Ligou o televisor para logo o desligar. Tomou um duche e, enquanto se vestia, tentava decidir onde iria jantar.
Inês esperava atentamente ao fundo da rua. Escondeu-se na paragem do autocarro quando viu Paula sair do prédio. Aguardou que ela entrasse no carro.
Ao abrir a porta do apartamento, deparou-se com um papel no chão. Era um bilhete. Uma mensagem da Paula. Sentou-se no sofá e leu-a.

“Inês:
Fui jantar à cantina da faculdade. Chego tarde. Se quiseres podes aparecer no Atlântico lá para as 10 horas.
Quanto à nossa discussão ao almoço, queria pedir-te desculpa, embora eu tenha razão. Perdoa-me se fui agressiva nas minhas palavras.
Até logo.
Paula.”

Inês embrulhou o papel e deitou-o ao lixo. Abriu a porta do frigorífico e tirou dois iogurtes e uma maçã. Achou-se insatisfeita e comeu uma fatia do bolo que a sua mãe lhe fizera no fim-de-semana. Ligou a televisão e fumou um cigarro. Viu o concurso do canal 1 e um pouco da novela da 4. Saiu às 10 e telefonou ao namorado.
Olha môr, hoje não saio de casa. Não, não vale a pena vires cá, tenho umas cenas para estudar. Estou bem. Não posso, a sério… Sim… Amanhã almoçamos juntos, está bem? Eu também, um beijo. Até amanhã. Tá. Xau…
Entrou no café da esquina e começou a ler o jornal. Cinco minutos depois o empregado perguntou-lhe o que queria.
Um café por favor.
O empregado voltou com o café.
Noventa escudos por favor. Obrigado e boa noite.
Obrigada eu.
Ao sair ouviu chamarem por si.
Inês! Era Paula que gritava o seu nome. Onde vais?
Não sei. Ia ter contigo ao Atlântico.
Ainda é cedo!
Sim, eu sei. Ia a pé…
Ah.
Inês sorriu.
Paula sorriu também.
Olha, Inês, queria pedi…
Não, espera, eu é que te peço desculpa.
Paula não conseguia dizer nada.
Sim, tiveste sempre razão. Eu é que sou uma cabeça dura e descarreguei em ti os meus problemas…
Deixa lá…
Não deixo lá nada! Tinhas razão: o porco não é um símio, a girafa é que é.

Jonathan Safran Foer


Hoje queria escrever qualquer coisa sobre livros que tenho andado a ler, mas não me lembro do nome de um em particular, de Jonathan Safran Foer, esse geniozinho petulantemente precoce da literatura americana, atacado invejosamente por uns, defendido corajosamente por outros, todos grandes nomes da literatura mundial, senão mesmo norte-americana, desde Rushdie a McInerney.


Bem, o livro chama-se na verdade Extrememente Alto, Incrivelmente Perto (li a versão portuguesa, depois de inicialmente ter lido os primeiros capítulos nessa pequena descoberta que foi o The Unabridged Pocketbook of Lightning) Devo dizer que prefiro ler sempre a versão inglesa, original, por causa daquelas subtilezas próprias da língua totalmente intraduzíveis...


Anyway, a história é muito boa, as técnicas narrativas surpreendentes, o tema forte, a leitura quase compulsiva. Quase porque dá a sensação de já ter visto o filme em qualquer lado, mas não são todos os livros assim? Uma das maiores críticas que os mais acérrimos ofensores de Safran Foer puseram no papel virtual dos blogs que consultei sobre ele foi precisamente essa sensação de copy-paste. Devo dizer que tentei não me influenciar pelos comentários negativos, crendo fielmente como creio que é impossível criar a partir do nada. Ergo, nada pode ser completamente original. Devo dizer que reconheci influências de Auster, Salinger, Murakami e Vonnegut, tanto em termos de temáticas como de modos narrativos.


O Enredo, o que realmente interessa, centra-se em Oskar Schell, no seu pai falecido no ataque às torres gémeas e nos seus avós sobreviventes do holocausto. Muita matéria pesada para explorar e conferir um dramatismo pungente ao livro, repleto de imagens sugestivas, à laia de ilustrações, acabando numa sucessão de fotos de uma pessoa a cair no vazio de uma torre...


Leitura obrigatória para quem quer saber alguma coisa sobre alguma coisa (incluindo história dos séculos XX e XXI, literatura pós-moderna e outras trivialidades que o pequeno Oskar não se cansa de debitar devido à sua propensão para pesquisas na internet).