E Tu Pensavas Que A Tua Vida Era Uma Merda (problemas de primeiro mundo) - excerto


Um problema de primeiro mundo é, por exemplo, ir ao McDonalds depois de dez anos de propositado boicote e perceber que as coisas já não são como dantes. O meu pedido era simples: batatas fritas médias e um sundae de caramelo – sim, eventualmente acabaria por enfiar as batatas fritas dentro do gelado, muito melhor do que maionese ou ketchup.

O problema do primeiro mundo é que já não fazem sundaes de caramelo! O tempora, o mores! Onde é que o mundo vai parar? E eu acabo por fazer um mini escândalo no MacD dos Aliados, explicando ao gerente que, há dez anos atrás, aquele era o meu snack preferido em tardes outonais de sol retemperador. O homem ainda me veio com Skittles McFlurries ou sei-lá-o-quê, mas não é – nunca será – a mesma coisa…

No fundo, percebo que esta raiva inesperada emergiu de um sítio muito profundo dentro das minhas memórias mais nostálgicas envolvendo Novembros solarengos. Só assim posso explicar entrar num Mac. Sou averso ao corporativismo imperialista da empresa, à exploração mecanicista dos seres humanos que lá trabalham, aos métodos taylor-fordistas que presidem à concepção dos quasi-atractivos elementos do menu, ao ciclo de vida degradante e vergonhoso por que passam tanto os animais como “vegetais” processados e vendidos nas instalações impecavelmente assépticas da cadeia norte-americana. Além disso não como carne.

Mas, naquele início de tarde outonal, o sol brilhava demais, aquecendo-me a cabeça. Só pode ter sido isso. Memórias inconscientemente reprimidas entraram em ebulição e fizeram-me entrar num estado a que no passado chamaram de spleen. O motivo era ela, ela, ela. Só pode ter sido isso.

Por que razão teria eu então gritado a um gerente do McDonalds exigindo um sundae de caramelo para acompanhar as minhas batatas fritas médias? Não me conformei. Nem quando me ofereceram os lenitivos mas inúteis McFlurries, nem quando um McEmpregado mais corpulento ameaçou empurrar-me para fora do estabelecimento, nem quando só dentro da minha cabeça as coisas que eu dizia faziam sentido.

Na rua, finalmente, compreendi que o sol, aliado ao frio, aliado à estação do ano, aliado à recordação do dia em que a conheci, fez despoletar uma reacção que eu só posso qualificar de psicótica. Não seriam as hormonas as responsáveis. Tenho-as controladas a punho firme – geralmente o da mão direita. Não seria uma reacção química também. Não ingeri nada de anormal nesse dia. Só pode ter sido o inconsciente a ditar-me caminhos e procedimentos anómalos.

(...)






Animais Mortos (excerto)

  Passo número um: localizar o intruso. Passo número dois: controlar o seu espaço de manobra. Passo número três: conduzi-lo até uma saída. Tudo estava a correr conforme os planos. Confinei o pássaro a um quarto, fechei todas as portas do corredor excepto a da saída e finalmente abri a porta do tal quarto, de modo a que o pardal tivesse como única opção dirigir-se para fora de casa. Porém, o gajo não cooperava. Parecia stressado demais para parar um pouco e perceber que para lá da porta do quarto havia um corredor banhado pela luz do sol. Entrei no quarto, quase de gatas para não ser atacado pelo pardal frenético que voava ininterruptamente de uma parede à outra, como se fosse encontrar uma saída mágica dessa forma. Cheguei junto à janela e vi nela uma resolução rápida para o assunto. Quando me levantei para correr as cortinas para os lados, já não havia nada a fazer. Antes que pudesse abrir a janela propriamente dita, já o meu pequeno amiguinho se tinha espetado contra o vidro recém-descoberto. Estava agora caído no chão, imóvel. Ainda pensei que pudesse estar apenas inconsciente, ou mesmo a fingir a sua morte, mas não. Peguei nele e percebi que tinha partido o pescoço com o impacto. Morte imediata. Pelo menos deve ter sido rápido e indolor. (...)

Xmas Wishlist #1