Não sei que crime cometi. Sei que me meteram nesta prisão. Recordo-me perfeitamente do dia em que cá entrei. Os outros prisioneiros, envoltos em farrapos amarelecidos, os guardas sérios e demasiadamente silenciosos. E as perguntas que os outros me faziam: que fizeste para te porem cá? Eu não sabia. Era como se toda a minha vida anterior tivesse caído num vazio amnésico, despida totalmente de pormenores. Lembrava-me de viver, de ter uma vida como as outras pessoas, extenuante mas sem significado. Não me perguntem detalhes, era uma vida genérica, prescrita por um gerador aleatório de recordações para me fazer crer que um espaço de tempo dado, entre o meu nascimento e a minha entrada naquela prisão, fora preenchido por acontecimentos memoráveis, embora vagos e abstractos. De que serviria ter alguma coisa de concreto para me agarrar mentalmente, se nunca o poderia fazer? Tudo o que fosse uma cara minuciosamente descrita, uma tarde na praia com aquelas pessoas, um nascimento de um filho, teria de ser indiferente, pois um sítio como uma prisão não se compadece com desejos de posse, de liberdade ou de saudade.
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