Toda a gente devia saber que da América (U.S.A.) vêm provavelmente as melhores short-stories do mundo. É a minha firme convicção, especialmente no que toca a escritoras. O maior exemplo é a insuperável Flannery O'Connor, cujos contos sulistas estranham-se e entranham-se em nós como chuva num dia de calor. Perturbante, revelador, sublime, ou apenas um dos melhores livros de sempre, "A Good Man is Hard to Find", a literatura como devia ser. Recomendo-o como introdução à autora que morreu precocemente, mas que ainda assim nos legou obras-primas que lhe valem a consagração como melhor contista norte-americana sob a forma de um prémio anual com o seu nome para o melhor livro de contos editado na América.
Nos anos 70, 80, apareceram duas autoras que eu recentemente descobri. Tama Janowitz e Ann Beattie dignificam a tradição contista norte-americana, mas num registo mais pós-moderno, que serviu, certamente, de inspiração para os autores da brat-generation dos anos 80 (Bret Easton Ellis e Jay McInerney por exemplo). De Janowitz li "Slaves of New York", adaptado ao cinema ainda nos anos 80, e de Beattie, "Distortions". Ambas as colectâneas de contos são insights profundos de realidades específicas, no primeiro caso da comunidade artística de Nova Iorque, e no segundo de comunidades suburbanas e geladas de pequenas cidades do norte, onde as pessoas vivem de uma forma distorcida, sinais dos tempos... Nos dois casos, as autoras conseguem universalizar as situações, recorrendo aos universais temas das relações humanas e à análise profunda dos desígnios e aspirações de cada indivíduo em particular. Ocorre então uma identificação com os problemas insolvidos que cada personagem aparenta ter. Somos todos seres humanos mal resolvidos, num ou outro ponto das nossas existências. Se sim, estes livros são para ler, mas com o maior dos desprendimentos e nonchalantismo possíveis, porque a vida parece não ter sentido, e nada podemos fazer para mudar as coisas que são como são: apenas observar e registar.
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