Estocolmo - excerto

Svensson costumava pensar nisso quando tomava o duche no final das oito horas de trabalho diário, não tanto com a preocupação de se inteirar sobre as consequências da falta de higiene, mas, porventura, como forma de passar o tempo, e, quem sabe, ter um pretexto sério para não falhar um acto que lhe daria mais prazer na banheira da sua casa, e não ali, naquele ambiente impessoal e, acima de tudo, intimidante. Não era a nudez masculina que o chocava, mas mais particularmente as acções de dois ou três operários que usavam o tempo no duche para se digladiarem em estúpidas brincadeiras infantis, empurrando-se uns aos outros contra as paredes brancas e azulejadas. Um começava por atirar o sabonete de outro para o chão e, enquanto este se baixava para o apanhar, logo outro o pontapeava no rabo, rindo-se pateticamente, e, quando Svensson dava por ela, todos eles se apertavam promiscuamente, lançando para o ar palavras próprias de adolescentes em estado de afirmação. Era frequente que acabassem o duche caídos no chão, rebolando-se de uma forma que nada tinha de erótico ou sexual, mas que denotava um regresso a uma infância longínqua.

Era pois como crianças grandes que Svensson via a maior parte dos seus companheiros de trabalho, lançando-lhes olhares de desprezo e, muitas vezes, gritando-lhes para que saíssem da sua frente quando, enojado da situação que se lhe apresentava, queria sair do espaço dos chuveiros.

Separação



Éramos 4 degraus de separação,
eu e ela, 15 kilos de comprimento
manifestaram o meu amor por cães.
― Vais a casa hoje, Anabela?
Fica comigo para contarmos as estrelas
e, talvez pelas 5 da manhã, dançarmos debaixo delas,
com cerveja nas cabeças,
a pedir para levar na boca,
boca, boca, boca…
para que te beije,
esses olhos confusos
de leite e queijo, pequeno almoço cruel
que nunca tivemos,
porque,
simplesmente,
eu adormeci

Jardim de Cimento - Ian McEwan


Quando penso em escrever algo sobre Ian McEwan, esse vulto enorme da literatura moderna, não concebo falar da sua obra globalmente. Antes tenho como obrigação moral e sentimental falar sobre cada livro de forma isolada, tamanha importância tem cada um deles na minha vida enquanto leitor (dos que li, quase todos, apenas Amsterdão me desiludiu).


A obra das obras, aquela que me introduziu a McEwan e me induziu a vontade de ler todas as outras, foi Jardim de Cimento. Quem já leu este livro sabe do que eu estou a falar quando digo que é absolutamente apaixonante, apesar da temática e do enredo serem de facto constrangedores. Não ficamos, porém, tão perturbados quanto fascinados pela natureza humana e seus limites (?) na fase da adolescência, quando lemos a história de quatro irmãos (Julie, 17, Jack, 15, Sue, 12, e Tom, 5 anos) que perdem o pai, inicialmente, e depois a mãe, cujo corpo escondem de forma abominável, passando a depender apenas de si próprios.


As circunstâncias permitem-lhes viver à margem das leis morais da sociedade, e a liberdade que têm é fatal, para o bem e para o mal, na viagem de auto-descoberta que farão. Por outro lado, os fortes laços que unem os quatro irmãos desencadearão estranhas promiscuidades e comportamentos desviantes, que eventualmente serão descobertos e expostos ao exterior, terminando num clímax final inesquecível.


A adaptação a cinema (1993) conta com Charlotte Gainsbourg como a filha mais velha, Julie...

Ficções No Feminino

Toda a gente devia saber que da América (U.S.A.) vêm provavelmente as melhores short-stories do mundo. É a minha firme convicção, especialmente no que toca a escritoras. O maior exemplo é a insuperável Flannery O'Connor, cujos contos sulistas estranham-se e entranham-se em nós como chuva num dia de calor. Perturbante, revelador, sublime, ou apenas um dos melhores livros de sempre, "A Good Man is Hard to Find", a literatura como devia ser. Recomendo-o como introdução à autora que morreu precocemente, mas que ainda assim nos legou obras-primas que lhe valem a consagração como melhor contista norte-americana sob a forma de um prémio anual com o seu nome para o melhor livro de contos editado na América.

Nos anos 70, 80, apareceram duas autoras que eu recentemente descobri. Tama Janowitz e Ann Beattie dignificam a tradição contista norte-americana, mas num registo mais pós-moderno, que serviu, certamente, de inspiração para os autores da brat-generation dos anos 80 (Bret Easton Ellis e Jay McInerney por exemplo). De Janowitz li "Slaves of New York", adaptado ao cinema ainda nos anos 80, e de Beattie, "Distortions". Ambas as colectâneas de contos são insights profundos de realidades específicas, no primeiro caso da comunidade artística de Nova Iorque, e no segundo de comunidades suburbanas e geladas de pequenas cidades do norte, onde as pessoas vivem de uma forma distorcida, sinais dos tempos... Nos dois casos, as autoras conseguem universalizar as situações, recorrendo aos universais temas das relações humanas e à análise profunda dos desígnios e aspirações de cada indivíduo em particular. Ocorre então uma identificação com os problemas insolvidos que cada personagem aparenta ter. Somos todos seres humanos mal resolvidos, num ou outro ponto das nossas existências. Se sim, estes livros são para ler, mas com o maior dos desprendimentos e nonchalantismo possíveis, porque a vida parece não ter sentido, e nada podemos fazer para mudar as coisas que são como são: apenas observar e registar.



Nome a seguir!

Jonathan Safran Foer!

Cultura Livre


Decidi disponibilizar os meus contos para quem os queira downloadar livremente.


Isto vem a propósito da minha solidariedade para com o Pirate Bay e outros bravos lutadores da liberdade na internet. É ilógico pensarmos na cultura, hoje em dia, como algo que, devido ao poder de compra, está reservada apenas a uma faixa da sociedade. Com o advento da banda larga, é mais fácil disponibilizar ficheiros de médias e grandes dimensões, via p2p, para que outros, conhecidos ou desconhecidos, possam ter acesso à arte e à cultura.


É o mesmo que emprestar um livro ou um dvd a um amigo. Desde que não ganhemos dinheiro com a operação, não há nenhuma ilegalidade cometida. Crime moral é vender cds a 20 euros e cobrar bilhetes para festivais a 100 euros! Não andamos a pagar por cultura, andamos a financiar os modos de vida boémios de cantores, actores, produtores, homens de fato e gravata que ganham dinheiro à custa dos outros (nós!), e que nos querem enganar, com o falso argumento de que, com esta libertação a que chamam de "pirataria", faremos com que percam biliões de dólares. Não será justo que gastemos esses biliões de dólares em coisas mais práticas como comida ou cerveja? Especialmente nestes tempos de suposta crise, em que as prioridades não devem ser ver a Britney Spears a fazer playback ou ouvir o último álbum com que os U2 tentam, de forma pouco criativa, somar mais uns milhões à sua gorda conta bancária.


É tudo marketing, é tudo negócio. É nisto que a arte contemporânea se tornou. Mas, temos o poder nas mãos, nós, o público. Sempre tivemos, apenas anteriormente era impossível ter acesso à arte sem elevadas somas de dinheiro, ou então, sem estarmos nas mecas da cultura mundial. Como é que há cem anos atrás um jovem de uma aldeia perdida em trás os montes, por exemplo, podia crescer a ouvir bandas americanas pouco conhecidas no seu próprio país e a ver filmes pornográficos japoneses, e isto quando quisesse, apenas ao alcance de um click de rato, como, repito, seria possível? Não seria. Hoje é possível, porém, ter acesso a tudo, praticamente. Não venham agora dizer-nos que não, que temos de pagar por coisas que achamos que não temos, pois crescemos com a geração anterior à nossa (e mesmo a minha) a fazer cópias de cassetes de música, que sabíamos serem autorizadas se fossem somente para uso pessoal e não para venda. E se a lei não era bem assim, era desta forma que a interpretávamos.


E se de leis falamos, não nos podemos esquecer que somos nós que temos o dever de eleger deputados que façam leis que nos protejam os interesses. Dou-lhes o exemplo do Partido dos Verdes alemão, que está a divulgar na sua campanha para as europeias projectos para leis mais adaptadas à realidade da partilha de ficheiros na internet, e não tão seguidoras dos desejos dos grandes lobbies americanos. A ver se não é tudo demagogia, e, nós, como cidadãos com direito a democraticamente nos unirmos em torno de causas que consideramos justas, teremos algum dia defensores em instituições de governo, quer a nível europeu como a nível nacional.


Por isso, honrando as minhas posições em defesa da cultura livre, usufruindo de serviços como o pirate bay ou o bookmooch, decidi dar os meus textos a quem os queira, publicando alguns, mais pequenos, directamente neste blog, e enviando os maiores, por email, a quem os deseje ler, tendo em conta que só enviarei um de cada vez, pois não sou adepto do spam e quero que as pessoas leiam com calma. Desta forma contorno também a inultrapassável barreira criada pelas editoras, que, ou pedem dinheiro para nos lançarem os livros, ou simplesmente não apostam em primeiras-obras de pessoas que não sejam já famosas da televisão. Claro que desejava um dia ter um livro meu editado, uma falha de personalidade chamada ego assim o deseja, mas não me vou tornar um fausto para lá chegar.


Aqui está a lista dos contos que tenho para enviar:


* Tinhamos ambos 19 anos e sonhávamos o futuro como se faltassem eternidades

* Carta ao filho

* Símio

* Perdidos & Roubados

* Howl Back

* Balada de um homem zangado

* Mores Ridendo Castigat

* Como Cães

* Da primavera e do Outono

* O apartamento

* Incidente com mulher estranha

* Dias de escola

* Menina X

* A maior mentira do mundo

* Amor com amor se paga

* Ossos do ofício

* Nightenders

* Desmarx

* Sinestesia

* Raparigas

* O anjo azul

* O canto da sereia

* A noiva esquecida

* O telefonema

* Memórias do que eu me lembro

* E foi assim que me tornei um prostituto masculino

* Estocolmo

* Na cidade

* Omnisciências servidas a frio ao jantar

* A soberba



Mailem-me para helioteixeira2005@gmail.com e recebam um ficheiro de texto que podem imprimir ou ler no vosso pc.


Cultura Livre.


4am free yr mind